segunda-feira, novembro 23, 2015

Trova do Vento que Passa


Uma profecia de Manuel Alegre feita nos anos 60


Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
e o vento nada me diz

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
Levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país

Pergunto à gente que passa
porque vai de olhos no chão
silêncio é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados
e a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo
vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas)

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome
eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
sempre alguém que resiste
sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre, Praça da Canção









Mesmo na noite mais triste em tempo de sevidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não.

sábado, setembro 05, 2015

Os Bárbaros


What are we waiting for, assembled in the forum? 

Why isn’t anything happening in the senate?
  
Why do the senators sit there without legislating?
Because the barbarians are coming today.

What laws can the senators make now?
 Once the barbarians are here, they’ll do the legislating.

Why did our emperor get up so early, 
and why is he sitting at the city’s main gate
on his throne, in state, wearing the crown?
Because the barbarians are coming today 
and the emperor is waiting to receive their leader.
 He has even prepared a scroll to give him, 
replete with titles, with imposing names.

Why have our two consuls and praetors come out today
 wearing their embroidered, their scarlet togas?
 
Why have they put on bracelets with so many amethysts,
and rings sparkling with magnificent emeralds? 

Why are they carrying elegant canes
 beautifully worked in silver and gold?
Because the barbarians are coming today 
and things like that dazzle the barbarians.

Why don’t our distinguished orators come forward as usual 
to make their speeches, say what they have to say?
Because the barbarians are coming today 
and they’re bored by rhetoric and public speaking.

Why this sudden restlessness, this confusion? 
(How serious people’s faces have become.)

Why are the streets and squares emptying so rapidly,
 everyone going home so lost in thought?
Because night has fallen and the barbarians have not come.
 And some who have just returned from the border say 
there are no barbarians any longer.
And now, what’s going to happen to us without barbarians?
 They were, those people, a kind of solution.
CAVAFY
Não, os bárbaros não vieram formados, em legiões, acometer as muralhas de Roma e acampar no Forum. 
Não. Não foi assim.
Chegaram de todo o lado, aos magotes, do norte e do sul, do leste e do oeste, a coberto do sentimentalismo estridente de um Império já incapaz de impôr a ordem nas fronteiras longínquas, a única forma eficaz de defender as fronteiras próximas. 
Alguns, poucos, os que perceberam, avisaram, lutaram contra, foram tratados de pusilâmines e de imbecis, votados ao desprezo da multidão putativamente "generosa" e "bem pensante". De repente a sharia e outros costumes bárbaros dominaram o Império. As raizes gregas, latinas e judaico - cristãs foram arrancadas. E uma longa noite caiu sobre a velha Europa. Feliz tu, Cavafy, último dos grandes poetas gregos, porque não vais assistir a isto.

sexta-feira, setembro 04, 2015

De Regresso a Neverland



Após dois ou três curtos posts, razões várias e respeitáveis levaram-me a tirar umas férias de Neverland. Umas longas férias de quase dez anos. Razões, também elas várias e igualmente respeitáveis, levam-me a regressar. A preservação de um módico de sanidade mental, entre outras. 
Regresso sem grande alegria, ao mundo de Barrica e do Capitão Gancho. Regresso, com O Grito, a Neverland, esta versão pequeno-burguesa do mundo distorcido e crepuscular de Munch.
Por vezes andamos, também, em boas companhias

sábado, julho 01, 2006

A Lição de Luís Filipe

Entre nós, os accionistas não agem, os executivos não executam nem fazem executar, os governantes não governam, os juizes não julgam.
Entre nós, não há decidor que decida: limita-se a tirar a bissectriz de opiniões avulsas. Método manholas que permite, após o inevitável fracasso, alijar a responsabilidade sobre o indeterminado lote de avulsos autores dessas avulsas opiniões.
Assim Portugal se transfigurou em Neverland.
Um extraterrestre brasileiro não entrou neste jogo do sistema. E as vestais do sistema insultaram e escarneceram. Apontaram o dedo e rasgaram as vestes. Antecipando os piores horrores ao hereje
E, agora, estão a engolir em seco.
O que eu tenho visto não é a derrota do México ou do Irão, da Holanda ou de Inglaterra. É a derrota de um sistema e de um espírito que nos está a levar à bancarrota. E a vitória de um conjunto heteróclito de jogadores transformado numa equipa por um homem que lhes insuflou uma alma porque esse homem age, executa, governa e julga. Porque escolhe e assume as responsabilidades das suas escolhas. Porque tem um desígnio e um método para o atingir. Porque esse homem é Alguém e não apenas mais um molusco alimentado-se do casco de um navio naufragado.
Devemos agradecer a Luís Filipe Scolari também o termos chegado onde chegamos neste campeonato do mundo. Mas, principalmente, há que agradecer-lhe ter mostrado aos portugueses o caminho a seguir para que Portugal regresse a si próprio.

domingo, junho 18, 2006

O Coro dos Bastonários Bastonados

Bastonados por Correia de Campos, os ilustres bastonários das "ordens do sector da saúde", em coro plangente no Expresso, apregoam a sua profunda dedicação pela nossa saúde, quanto a ela se dedicam, e quantos riscos ela corre.
Quando vejo um estranho muito preocupado comigo, mão compreensiva no braço, chamo logo a polícia: é carteirista, pela certa.
Já agora, onde estava um dos tão preocupados bastonários - o Dr. Pedro Nunes - quando alguns médicos de Guimarães passaram 700 atestados a outros tantos alunos do 12º ano para estes se baldarem aos exames nacionais? Imagino que imensamente preocupado com a minha saúde, mais com a estranha epidemia que tão gravemente afectou a delicada saúde dos 700 vimaranenses.

sexta-feira, junho 16, 2006

No Barco do Capitão Gancho

Criado por Afonso Henriques, afunilado por Afonso Costa, passado a ferro por Vasco Gonçalves e redesenhado por Walt Disney Portugal é, hoje, Neverland, a Terra do Nunca.
Barrica e o Capitão Gancho - e outros corsários menores, mas não menos ávidos - rasteiram-se no Parlamento, abordam-se em Belém, insultam-se nos jornais, increpam-se nas televisões. Mas há dezenas de anos, por detrás deste cenário irascível, e no silêncio possível, dividem entre si o cada vez mais magro espólio dos sucessivos saques. Debruçada na amurada, caneca de rhum a balançar na mão, a tripulação canta, em coro, “oh Abreu, dá cá o meu…”.
Só que, entretanto, a barrica de rhum está a chegar ao fim, exaurida por uma tripulação de 750.000 marinheiros que dormitam no convés. Restará em breve, para matar a sede, a água do mar.
E Peter Pan? Virá também ele numa manhã de nevoeiro?